segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Encontro com Morpheus

Já passavam das duas da madrugada quando decidi que enfrentaria Morpheus. Tomaria satisfações com ele por sua negligência comigo nos últimos dias. Deixei o arquivo baixando e fui tomar banho. A água quente me relaxou, mas num dado momento passou a ser o contrário, a água me envolvia de tal maneira que me excitava. O calor que envolvia meu corpo como um tecido macio me levava ao delírio. Senti que Eros estava ali. Olhei atentamente pra ele e perguntei se já não estava satisfeito com a atenção que venho lhe dedicando. Ele riu, disse-me sempre querer mais.

Voltei pra sala e o download não havia terminado. Senti um leve sopro nos olhos. Olhei e não vi ninguém. Algo era sussurrado no meu ouvido, mas era incompreensível. Finalmente havia terminado e o arquivo já estava concluído. Eram três horas. Olhei meus meninos dormindo e cobri um que cismara de dormir só de cueca. A noite estava levemente fria.

Ao deitar-me senti um perfume diferente e inexplicável. Não sabia dizer que perfume era aquele. Mas era bom. Estava preparada pra brigar com Morpheus. Não era justo sua negligencia para comigo. Não tardou pra ele aparecer. E quando o vi, toda a raiva foi dissipada. Sua beleza era estonteante. Não me lembrava dele assim. Quiçá, porque quase sempre confundia sua imagem com a imagem do personagem de Matrix.

Quase sorri, mas lembrei de seu desleixo comigo. Ele me olhou bem dentro dos olhos. Foi se aproximando e disse com uma voz grave, terna e firme:

- Não fui eu quem te abandonei. Foi você que não me deu atenção. Tenho vindo todas as noites ao seu encontro, mas você está tão envolvida com os outros deuses, que sequer me nota.

- Isso não é verdade. Retruquei.

- Não se engane. Quando foi a última vez que se deitou e simplesmente se entregou em meus braços? Não deitava com Eros e levantava com ele? Por acaso não estava demasiadamente preocupada com Sofia, Philos e outros deuses e semideuses?

- Você está querendo me ver mais irritada. Porque não me toma em seus braços e me leva? Perguntei.

Foi quando ele se aproximou, tocou meu rosto com sua mão delicadamente, aproximando seu pescoço do meu nariz.

- Sente esse cheiro? Tive que me perfumar com essências de lavanda e camomila com um leve toque de canela. Sabe para que? Para estar mais atraente que os outros pra você. Além disso, tive que me vestir com meu melhor traje, brigar com quem lhe desejava atenção e pedir favores a um amigo. Esse amigo fez seus ombros pesarem e seu pescoço doer, obrigando-lhe a deitar-se.

Fiquei muda, o que dizer? Aos poucos aquele perfume foi me inebriando e fui perdendo os sentidos. Morpheus me tomou em seus braços fortes. Era incrível como ele estava tentador. Toquei em seu rosto, sentindo sua pele agradável. Nem mesmo a mais pura seda ou o veludo possuía uma textura mais delicada e prazerosa.

- Parece que nunca te vi antes. Onde você esteve esse tempo todo? Por que não me recordo de você ser tão atraente assim? Perguntei um pouco aflita.

- Você não se lembra de mim? Perguntou com a face terna e doce como de um anjo. Nunca te deixei. Mas há horas em que preciso me afastar de você e permitir que outros deuses te adorem e saboreiem da sua companhia. Não sou egoísta. Nem tenho ciúmes. Inclusive por diversas noites permiti que junto comigo outros compartilhassem da sua cia.

- Então por que não me lembro de você?

- Porque você acabou de descobrir sua liberdade. Você conheceu novos sabores e novas sensações e desejou que isso fosse eterno. Sua ânsia por abraçar o mundo com as pernas não permitia que de ti me aproximasse.

Nesse momento corei. Ele me pegou com seus braços fortes. Levou-me de encontro ao seu peito. Pude sentir sua respiração profunda e pausada, e seu coração batia de maneira regular. Pensei que os deuses não possuíssem coração.

- Isso é mais um dos meus artifícios para te seduzir. Essa ilusão lhe propicia conforto e torna mais fácil minha chegada até você. Disse-me ele com sua voz de veludo.

- Não sabia que era capaz de ler pensamentos. Perguntei.

- Não sou. Mas tenho que adivinhar seus desejos e estou a tanto tempo com você que conheço cada expressão da sua face. Cada palavra expressa por seu corpo.

Senti novamente meu rosto corar. Será que já estava sonhando?

- Não. Ainda precisa relaxar mais. Como você gosta de dizer, tem que se entregar por completo.

Como ele podia me conhecer tão bem assim? Embora soubesse que devia sentir um pouco de medo, afinal eu era transparente como a água para alguém. Eu não sentia medo. Cada vez que ele me apertava contra seu peito, eu sentia meu corpo inteiro estremecer e relaxar. Olhei atentamente para o seu rosto. Jamais vira no mundo homem mais belo.

Suas feições eram firmes e delineadas. Havia uma perfeição em seus traços que eram humanamente impossíveis. Sua boca era carnuda e delicada, e não encontro palavras para descrevê-la. Seus olhos eram firmes e penetrantes como uma lança afiada, e ao mesmo tempo meigos e receptivos como os olhos de um bebê.

Eu estava totalmente entregue aquele deus cuja beleza me parecia maior que a de Apolo. Cuja sensualidade ultrapassava Eros. Cujo falar era mais belo do que o canto da mais perfeita Ninfa. Eu era dele. Totalmente dele. Já não passava nenhum pensamento pela minha cabeça. Pela primeira vez em muito tempo, eu era só sensação. E desta vez não era por conta da loucura de Eros, mas pelos encantos de Morpheus.

Num determinado momento ainda tentei lutar. Mas meu amigo, amante, e agora amado me levou novamente para seu mundo, me dizendo que entendia minha relutância. Afinal, não fazia muito tempo, ele estava tão obcecado por mim, que não conseguia deixar de lançar seus encantos. E ele sabia que seu tempo comigo estava reservado a pequenas horas, depois que o sol se punha.

Eu me entreguei de tal maneira, que pela primeira vez em muitos meses, não percebi o raiar do dia. Meu despertador me acordou, coisa que não acontecia.

- Não se vá. Disse-me ele sôfrego. Faz tanto tempo que não ficamos assim tão próximos e entregues...

Interrompi.

- Eu adoraria ficar mais um pouco, mas tenho obrigações em meu mundo. Eu não posso ficar. Não agora, mas eu volto logo. E haverá um dia que minha entrega a você será eterna. Respondi angustiada por não ficar mais um pouquinho.

- Senti tanto sua falta. E nesse dia que você falou, não serei eu quem terá você para sempre. Será outro deus que virá te buscar. E eu nunca mais poderei estar com você. Deixe-me aproveitá-la mais.

- Juro que volto. Respondi com lagrimas nos olhos. Juro que volto.

Levantei da cama, deixando meu amante desaparecer como que por encanto. Tão logo ele chegou, partiu. Senti uma tristeza profunda por não estar mais com ele. Mas trazia no peito a certeza de que voltaria a vê-lo, e seria em breve. Depois de redescobrir alguns prazeres perdidos, ele me mostrara algo que eu não me lembrava que era tão bom. Morpheus me mostrou o prazer de descansar. O prazer de dormir.

É incrível como Cronos cisma em nos roubar. Minha tentativa de resistência com Morpheus não durou mais que algumas frações de segundos, e minha viagem pro seu mundo durou menos de quatro horas. Não me sinto satisfeita. Mas pelo menos agora eu redescobri um prazer esquecido, negligenciado, relegado.

Um comentário:

  1. Adorei Belá! Narrativa digna dos deuses. Parabéns pelo texto e pela inspiração. Um beijo

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