sexta-feira, 18 de junho de 2010

Do que é feito um intelectual?

Algumas pessoas são como os pombos, comem tudo que lhes é jogado ao chão. Às vezes são milhos selecionados, às vezes são apenas restos de comida. Tem pessoas que, como pombos são incapazes de diferenciar aquilo que é realmente bom, ou mesmo do ruim tirar algo de bom. As fezes do pombo, e me perdoem a menção escatológica, são brancas e nada nos lembra os dejetos de outros animais; ainda assim, não deixam de ser um excremento. Da mesma maneira como as fezes dos pombos não parecem ser o que são, também as palavras daqueles que não distinguem o bom do ruim. Essas pessoas, geralmente arrogantes e incapazes de evoluir como seres humanos, escrevem com bonitas palavras, mas sem qualquer conteúdo. Publicam críticas maliciosas travestidas de inveja.

De antemão, quero esclarecer que não sou profunda conhecedora do trabalho de Fernanda Young, embora também não possa dizer que não a conheço. Vi alguns de seus trabalhos, inclusive a revista na qual ela posou nua, que de minha parte, achei um trabalho muito bom. Não me atenho as mesmas coisas que os homens ou as lésbicas se ateriam nesta última citação. Adoro fotografia e gostei muito do jogo de luzes dessa edição da playboy. Foi o primeiro trabalho desse tipo de revista que pude constatar a arte do erotismo. Não pretendo estender-me neste assunto, deixarei para outro post a minha paixão pela fotografia, embora possam apreciar um pouco de algumas das que faço neste blog.

Mas, perguntar-me-iam vocês, qual a relação da analogia inicial com Fernanda Young?

Pois bem, decidi escrever sobre algumas vorazes críticas feitas a essa figura da mídia. Numa entrevista com a cantora baiana de rock Pitty, Young declarou não ter completado sequer o segundo grau, sendo levianamente chamada, em decorrência deste fato, de pseudo intelectual. Oras, do que é feito um intelectual?

Será que uma parede cheia de diplomas faz de alguém um intelectual?

Essa pergunta foi feita por vários teóricos, inclusive um italiano pouco conhecido no Brasil – Antônio Gramsci, que separava os intelectuais em tradicionais e orgânicos. Uma boa maneira de explicar a idéia de Gramsci nos dias atuais é de que a sociedade forma, através da educação nas escolas e universidades, o intelectual tradicional. Enquanto que os intelectuais orgânicos são formados pela experiência e os sentimentos de classe. As teorias escritas por Gramsci durante sua vida, refletem a moral e as idéias de um marxista; de maneira que, seus escritos mostram a educação popular como uma forma de arma para a revolução comunista, sendo imprescindível para o seu sucesso. E sinceramente também acredito que a educação´é a chave para uma democracia verdadeira.

Num país cuja taxa de analfabetismo é maior do que o da Argentina, país cujo PIB é menor do que o nosso; e bem próximo ao de alguns países africanos, ocupando, como exposto no Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU 2007/2008, a 95º posição no ranking de alfabetização, empatado com os Emirados Árabes, o diploma de nível superior tende a ser super valorizado, tornando-se quase um fetiche para as classes mais pobres de nossa sociedade.

A propagação das Universidades particulares e estagnação no crescimento das públicas demonstram o baixo investimento do Governo na educação superior, embora a demanda por tal ensino seja tão alta que tenha atraído a atenção da iniciativa privada. Desta maneira, não é incomum que vejamos casos em que, buscando uma melhoria de vida, pessoas sejam enganadas por falsas faculdades ou mesmo cursos que prometem um diploma que não lhes valerá nada por falta de reconhecimento junto ao MEC.

Não pretendo fazer apologia à universidade pública, embora tenha vindo dela. Tampouco desqualificar as particulares que possuem algumas bem renomadas no mercado e de grande qualidade de ensino. Todavia o que pode parecer bom, também pode ser mal. O mercado não suporta todos que tem diploma, desta maneira não é incomum ver professores, jornalistas, sociólogos, advogados e outros especialistas disputarem vagas como de merendeira, cuja exigência é ter apenas o nível básico.

Essa loucura por obter um diploma universitário faz com que determinados setores fiquem desprovidos de mão de obra especializada, embora os salários sejam altos, um exemplo disso é a industria petroleira. Os cursos de capacitação profissional são caros e nem sempre acessíveis às populações mais pobres, lembrando que esta observação não se refere as capitais brasileiras, embora essas também não tenham abundancia de tais cursos.

Cresci num meio muito pobre, e das pessoas que fizeram comigo o ensino fundamental poucas chegaram ao nível superior. A maior parte das meninas tornaram-se donas de casa ou vivem se sub-empregos. A universidade representava, e ainda representa para mim, muito mais do que um meio de profissionalização, mas sobretudo a busca por conhecimentos superiores. Tais conhecimentos deveriam, não apenas preparar para o mercado, deveriam preparar para ser uma pessoa melhor, para ter sapiência, pensar por si mesmo e não pelo pensamento dos outros.

Acreditava que às pessoas com diploma de nível superior eram mais educadas e conscientes, mais práticas e inteligentes. Tal não foi a minha surpresa ao perceber que havia me iludido com o fetiche criado socialmente por tal diploma. Longe daquilo que imaginava, havia pessoas desprovidas de educação e saturadas de arrogância. A inteligência também poderia ser questionada, quando ouvi de uma de minhas colegas pedagogas a afirmação de que peixes não respiravam. Custava-me crer que uma pessoa diplomada e que lecionava para crianças, desconhecesse um dos princípios básicos para existência de vida – a respiração. Salvo as bactérias anaeróbicas, o oxigênio é essencial a vida, então como os peixes seriam desprovidos de respiração?

Esse não o único caso, mas um dos que mais me chocaram. Assim, a universidade não me mostrou apenas que todos somos capazes de conceber idéias sobre tudo, mesmo aqueles cujas letras nada mais são do que desenhos – os analfabetos, são capazes de dizer coisas brilhantes. A Bíblia, livro sagrado para muitos, nos diz que quando os justos não clamarem, as pedras clamaram. Pois bem, para mim o intelectual não é feito de um diploma, ele tem que ter um feeling, a sapiência que nenhum doutor ou mestre é capaz de ensinar, mas que existe dentro daqueles que são resilientes, que se sobrepõem ás dificuldades e obstáculos da vida tornando-se intelectuais.

Tais pessoas jamais se contentam o que sabem e, como Sócrates, desejam sempre mais conhecimento. Não gosto de descartar as coisas de imediato, como as vacas, às vezes fico ruminando o que leio ou escuto até ser capaz de tirar tudo que é bom. Apesar de não concordar com tudo da filosofia budista, gosto muito de algo que ouvi e que diz que as estradas são para os caminhos. Um intelectual vive de estradas que o levam ora para um caminho, ora para outro. Buscando sempre aquilo que ainda não viu, não cheirou, não tocou, enfim, não experimentou.

Voltando ao inicio, não conheço Fernanda Young, mas sei que ela não seria capaz de ter um programa só seu por tanto tempo se não fosse uma pessoa capaz. Podemos ter portas abertas por outras pessoas, mas elas só se mantêm abertas se tivermos a capacidade de as segurar.

“Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros e os erros são seus.
Não quero lembrar...
Eu erro também.

Um dia pretendo tentar descobrir
Por que é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar...
Eu minto também.

Eu sei...

Feche a porta do seu quarto,
Porque se toca o telefone
Pode ser alguém
Com quem você quer falar
Por horas e horas e horas.

Mas não, não vá agora
Quero honras e promessas
Lembranças e histórias
Somos pássaro novo
Longe do ninho.

Eu sei...”
(Renato Russo)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Razões sem razão de ser

Perguntar-me-iam o motivo do nome deste blog ser Quatro Estações. Pois bem, quando pensei em escrever, lembrei-me que o desejava ha séculos. Sim, porque o tempo sentido nem sempre tem relação com o tempo registrado. As quatro estações nada mais são do que ciclos pelos quais nosso planeta passa. Em minha errante vida, assim como, na de qualquer ser humano, passamos também por ciclos.

No enigma da esfinge temos contato com alguns desses ciclos pelos quais passamos – nascimento, infância, adolescência, juventude, velhice e morte - estes são certos passarmos, enquanto outros são incertos. As quatro estações são nomeadas como verão, outono, inverno e primavera, e marcadas por peculiaridades relativas a fenômenos relacionados com o movimento da terra. Nossos ciclos são marcados pelo passar do anos e com eles nosso desenvolvimento natural anteriormente descrito no enigma supra citado.

Apesar dos ciclos serem relativamente constantes, também são singulares. Embora passemos pelos mesmos ciclos, cada indivíduo vai se relacionar com eles de forma distinta. E cada ciclo será carregado de grandes mudanças. A mudança nos torna seres inconstantes e nossa atração por elas é como a atração de nosso planeta pelo sol. Sócrates declarou que um homem jamais é capaz de banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois da segunda vez que se banhar, nem o homem, nem o rio serão os mesmos.

Da mesma forma que somos atraídos pela mudança, por ela também sentimos um certo receio e, em dados momentos desejamos afastá-la, tal como a relação entre nosso planeta e o sol. Se não fosse essa constante guerra de forças opostas, talvez não fossemos os seres que somos. Não existe harmonia sem o caos. Não recordo bem qual foi o teórico que disse que o ser humano não pode ser colocado em formas, porque cada vez que tentamos enquadrar dados comportamentos e antecipar suas reações, somos surpreendidos por sua capacidade de mutação. Somos seres mutantes, e quando deixamos de ser morremos.

Se a mudança é algo natural por que a tememos?

Foi esta indagação que fez com que escolhesse esse nome. Os ciclos são certos e seus desdobramentos desconhecidos, assim como o desenrolar de nossas vidas. A única certeza da qual ninguém escapa é a de que em algum momento deixaremos de existir. Os pensamentos são como delírios e sonhos que, se não escritos, se perdem com os ventos.

Quantos sonhos sonhamos? E de quantos sonhos nos lembramos?

Sinceramente acredito que jamais terei respostas para todas as perguntas que sou capaz de fazer. Essa constatação não me tira o desejo de buscar respostas, tampouco me tira o sono. Todavia tal constatação tira-me o peso de não saber, aquele peso que sentimos quando não somos capazes de visualizar o que tem atrás da porta cuja chave se perdeu e cujo medo nos impede de arrombar.

Os norte-americanos gostam de dizer que a ignorância é uma benção. Ainda não tenho opinião formada sobre o assunto, e enquanto isso vou vivendo minha vida, observando as estações e tirando o melhor proveito delas.

“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...”
(Raul Seixas)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Abre Alas

Hoje fui tomada por um desejo ardente de voltar a escrever. Quando adolescente escrevia bastante. No ginásio eu sempre rabiscava o papel. Por muito tempo tentei escrever um diário, mas achava tão banal escrever sobre o meu dia a dia. Então escrevia histórias, imaginava-me em outras vidas e em outras épocas. Tentava prever meu futuro como se fosse uma feiticeira, e havia momentos em que me considerava uma.

Quando meu segundo filho nasceu, tentei escrever sobre a incrível experiência de ter dois filhos, mas também desanimei. Parecia-me que escrever por escrever não era tão importante, afinal o que faria depois com a obra escrita? Foi quando imaginei o que sempre gostei de fazer e que no tempo de faculdade fui deveras estimulada – falar sobre minhas impressões. Impressões sobre a vida, sobre as pessoas, sobre tudo aquilo que desejava expor e que parecia transbordar em mim.

Esta manhã tive um insight, escreveria um blog com minhas impressões, uma espécie de diário virtual com o qual eu poderia imprimir meus pensamentos às pessoas. Esta idéia me ocorreu, quando da lembrança de meus tempos de faculdade. Sinto saudade do meio acadêmico e das loucas conversas do pessoal das ciências humanas. Sempre gostei de ouvir o que as pessoas pensam e com elas interagir formando novos e, às vezes loucos pensamentos.

Lembro-me com carinho de uma figura que conheci logo no primeiro semestre, seu nome é tão incomum quanto a pessoa que nomeia – Demetrio. Ele morava na Zona Oeste da cidade, enquanto eu morava no meio do caminho, então não era incomum esperar que ele terminasse seus trabalhos de pesquisa para ter sua companhia em parte do meu longo caminho até minha casa.

Certa noite esperávamos o ônibus durante longo tempo, e para passar o tempo resolvemos observar as pessoas ao redor. Estávamos na famosa Central do Brasil, um lugar peculiar onde podemos observar diferentes tipos de pessoas. Falávamos sobre nossas impressões quando Demetrio disse algo que marcou minha vida. Ele disse-me que assim como nós fazíamos naquele momento comentários sobre nossas impressões, outras pessoas poderiam fazer o mesmo conosco.

Naquele momento olhamos para nós mesmos e depois um para o outro, estávamos sentados no meio fio esperando um ônibus que parecia nunca chegar, ele vestia uma calça jeans surrada e suja e uma blusa de botões aberta até o meio do peito. Eu usava minha única calça jeans e uma blusa de escola pública, pois não tinha recursos para bancar as quatro passagens diárias necessárias para cursar a universidade. Éramos dois seres patéticos sentados no meio de um monte de pessoas alienadas, e quem disse que também não éramos.

De qualquer maneira, só me lembrava da música do Biquini Cavadão que dizia: “ Janaina acorda todo dia às quatro e meia, já na hora de ir pra cama Janaina pensa – que o dia não passou e que nada aconteceu se , mas ela diz que apesar de tudo ela tem sonhos, ela diz que um dia a gente há de ser feliz se Deus quizer...”.

As pessoas que nos cercavam pareciam ter esse tipo de vida, e nós, naquele momento também. Trabalhávamos durante o dia e estudávamos durante a noite, sonhando com um futuro melhor para nós e para as pessoas que, por acaso, passassem pelas nossas vidas. Não preciso dizer que esse pensamento construído a dois despertou em mim um forte sentimento por aquele rapaz, embora tais sentimentos fossem mais pelas suas idéias do que pela pessoa em si. Pouco tempo depois ele se formou e nunca mais tive notícias dele.

Todavia, guardo comigo a lembrança daquela noite e a grande lição que aprendi:
Não podemos olhar sem sermos olhados.
Não podemos criticar sem sermos criticados.
Não podemos viver sozinhos como se fossemos uma ilha.
Nossos pensamentos devem ser compartilhados e ampliados pela dialética.

Aquela noite não foi à única em que fiquei durante muito tempo esperando um ônibus na Central do Brasil, mas nas outras eu estava sozinha, apenas acompanhada por meus pensamentos e minhas dúvidas.

“Vim gastando meus sapatos,
Me livrando de alguns pesos
Perdoando meus enganos,
Desfazendo minhas malas
Talvez assim chegar mais perto....
Vim, achei que eu me acompanhava
E ficava confiante, outra hora era o nada
A vida solta num barbante...
E eu quem dava o nó.
Eu pensava em nós dois,
Mas já cansava de esperar
E tão só eu me sentia e seguia a procurar
Esse algo, alguma coisa, alguém
Que fosse me acompanhar...
Se há alguém no ar
Responda se eu chamar
Alguém gritou meu nome
Eu eu quis escutar.

Vem que eu sei que está tão perto
E porque não me responde
Se também tuas esperas te levaram para bem longe
É longe esse lugar...
Vem nunca é tarde ou distante
Pra eu te contar os meus segredos
A vida solta num instante
Tenho coragem, tenho medo sim
Que se danem os nós...
Se há alguém no ar
Responda se eu chamar
Alguém gritou meu nome


Eu eu quis escutar...”

(Ana Carolina)