segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Arte de Forjar Espadas

Uma das coisas que mais gosto depois de ler é escrever. Comecei a escrever muito cedo, aos quatro anos de idade. Naquela época minhas frases não eram nada mais do que uma pequena oração simples. Minhas leituras eram os poucos gibis da Turma da Mônica que minha mãe comprava e algumas HQs da Marvel e DC Comics dos meus irmãos mais velhos.

Com o amadurecimento, minhas leituras foram mudando e aos oito anos li um livro que respondeu muita das questões que, uma pequena ouvinte dos problemas alheios, tinha. Esse livro cujo teor, me recordo apenas de partes, foi o “Príncipe” de Maquiavel. Naquela época me apaixonei por história. Ainda leio a Turma da Mônica e também sua versão para adolescentes, são leituras relaxantes, que me fazem sair do estado comum para um mundo onde não tenho que lidar com estresse e obrigações.

Crescer é sempre um ato de dor. Segundo a teoria psicanalítica de Freud, sofremos várias repressões ao longo da vida, vários traumas. Tais repressões moldam nossa personalidade e nos diz, acima de tudo, do que somos feitos. Olhando um exemplar de rocha, um geólogo pode dizer que tipos de elementos o compõem e de que forma essa rocha foi formada e quando. Assim somos nós, rochas que na infância são brutas, e lapidadas pela educação e pela vida social tornam-se quem somos.

A educação é um ato de violência, uma vez que o ato de ensinar é um ato social e como tal é a tentativa de homogeneização dos seres. Aprendemos, quando crianças, que a verdade não deve ser dita sempre. Você poderá questionar essa minha afirmação, mas observe uma criança bem pequena e seu responsável, verá que inúmeras vezes esta será repreendida por dizer aquilo que pensa. Por exemplo, quem nunca levou uma bronca ao dizer para alguém que este era feio, ou chato, ou quando expressávamos nosso desagrado por alguma pessoa?!

Pois bem, todos falam o tempo todo sobre a verdade. Segundo Platão, a verdade é uma mentira que esquecemos que era mentira. Segundo o seriado “Lie to me”, a verdade é uma junção de fatos dispostos aleatoriamente e dependentes da interpretação de cada um. E não é incomum, pessoas que dizem preferir a verdade quando desejam seu oposto. A verdade é uma obsessão tão grande que para a filosofia existe verdade absoluta, enquanto que para os teóricos das letras, a verdade já pressupõem absolutismo.

Lembro-me que no primeiro período da faculdade, um professor nos confrontou com uma questão tão complexa quanto esta que lhes abordo. Ele perguntou-nos o que era a realidade. A verdade, assim como a realidade são palavras tão cheias de significado, que quando tentamos atribuir algum significado sempre nos sentimos inseguros. E alguns gostam de dizer que as palavras por si só são apenas letras disposta numa determinada ordem, e que apenas num contexto poderemos entender seu significado. Todavia a palavra não é apenas uma disposição de caracteres ou símbolos, mas algo muito mais precioso e complexo.

No primeiro capítulo da epistola de São João ele nos diz que “1.1 No principio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus. 1.2 Ele estava no principio com Deus.” O apóstolo confirmava o que Moises havia escrito no Gênese: “1.1 No principio criou Deus os céus e a terra.”. Numa tradução mais atual é usada “palavra” no lugar de “verbo”, mas o que importa nisso tudo é o fato de que desde a antiguidade já se conhecia o poder das palavras.

Os povos celtas tinham bastante receio da palavra escrita e acreditavam, como muitos outros povos, no poder da palavra. Bom, se a palavra é tão poderosa, como seria muda? Um queijo, um beijo, um jeito, um dia, sozinha, marinho, jatinho, caminho, vazio, amigo, amor, amante, vinho...

Cássia Eller cantou que “palavras apenas, palavras pequenas, palavras, momentos. Palavras, palavras, palavras, palavras, palavras ao vento”. Enquanto para os povos celtas a palavra escrita parecia perigosa, ainda hoje, pelo menos no direto brasileiro, a palavra escrita tem forte valor. Um contrato “de boca” só tem valor se ambas as partes cumprirem o combinado, todavia não há nenhuma condição legal nisso.

Hoje temos uma grande necessidade de ter tudo escrito. Este blog, por exemplo, foi a maneira que encontrei pra perpetuarem minhas conversas entre amigos, meus pensamentos e minhas impressões da vida, do cotidiano e de tudo mais. Vivemos num mundo onde a palavra continua constituindo poder, os políticos, os advogados, promotores, os atores e muitos outros usam e abusam da palavra para sobreviverem, a palavra é seu ganha pão.

Todavia existem muitos lugares onde a voz das pessoas não é ouvida. Lugares onde impera a submissão e o autoritarismo. Onde verdade e liberdade são artigos de luxo de poucas pessoas. Onde a vida é contada através de velhas histórias, contos cheios de esperança, cheios de superstições. Usamos os contos, mitos e superstições para explicarmos aquilo que não somos capazes de explicar de outro modo.

Os mitos são contos adornados de magias e realezas, de inteligência e esperteza, de sedução e mistérios, nos envolvendo e nos enfeitiçando, de modo que possamos esquecer, mesmo que por um breve momento, das coisas ruins da vida.

Os budistas dizem que a vida é feita de sofrimento. Os contos nos elevam aos céus, como na famosa “História das Mil e Uma Noites”, somos como sultão que se deixa seduzir por seus encantos e, assim, prosseguimos com nossas vidas, esquecendo nossas dores e crendo num amanhã. Por um momento somos felizes.

A felicidade é outra palavra cujo significado atribuímos a muitas coisas e que é bem difícil de ser definida. Para um faminto, felicidade é ter comida. Para um político ganhar as eleições. E assim, vamos seguindo, para cada um há um motivo ou razão para a felicidade. De modo que sempre somos impulsionados na busca do prazer. Felicidade e prazer caminham juntos, são quase sinônimos, uma vez que uma esta intimamente ligada a outra.

Temos prazer ao comer, ao fazer sexo, ao viajar, entre muitas outras coisas. Mas quando a tênue linha entre a felicidade e a obsessão se rompe, o prazer nos leva ao sofrimento. Os alcoólatras sentem prazer em beber, mas o prazer cessa no instante em que o corpo saturado de etanol sofre os efeitos do abuso. Como disse no post anterior, nossas vidas parecem girar em torno da dualidade, dos opostos; desta forma, somos continuamente expostos a vontade de encontrar um ponto de equilíbrio. Para os orientais a saúde só existe quando todos os aspectos da nossa vida estão em um ponto de equilíbrio. Se algo vai mal, o equilíbrio cessa e com ela a saúde. É necessário restaurar todas os pontos para que a saúde se restabeleça.

No ocidente acreditamos que resolvendo apenas o desequilíbrio inicial podemos restabelecer a saúde, mas as vezes o estrago é tão grande que isso só é um paliativo. Quando temos dor de cabeça, raramente pensamos o motivo para tal dor, nos acostumamos a tomar um comprimido para que tal incomodo passe. Com o tempo a dor fica mais forte e buscamos drogas mais potentes para fazê-la cessar. As drogas vão minando nosso corpo e logo deixam de fazer o efeito esperado. Se olhássemos para o pensamento holístico, veríamos que a dor pode ser tratada de outros modos. As vezes a dor de cabeça é causada pela fome, mas nem sempre comer resolve de imediato a dor. Faz-se necessário que o próprio corpo reconheça a supressão daquela necessidade para “desligar” a dor.

Mas por que esperar se podemos resolver de forma mais rápida?

Buscamos fórmulas, receitas, mecanismos para fazer cessar a dor e podermos ter prazer. Como se Matriz fosse real, buscamos uma pílula que resolva nossos problemas. Mas a dor, algumas vezes, é um mal necessário. O caos nos ajuda a movimentar nossas vidas. O desequilíbrio é tão necessário como o equilíbrio. A Matriz necessitava ser constantemente destruída, e assim os seres humanos conseguiam evoluir.

A necessidade de se aquecer nos dias frios fez com que o homem descobrisse o fogo. A necessidade de escrever e desenvolver minha escrita levou-me a passar por vários estágios até aqui. Minha necessidade de criar ligações fez com que eu escrevesse de forma prolixa.

“Hoje o meu coração mudou
Já não sei por quem vim, quem sou
Mas sinto e sou capaz
E o resto tanto faz

Foi só eu descansar
Junto ao pé de uma arvore que me acolheu
E depois me ocorreu

Vi que a vida que vivia em mim
Agora vive aqui nesse lugar
Em volta das sombras
Essa ilha é a reunião das infinitas direções
Que o vento traz com as ondas

E é quando me vejo a garimpar
As pedras, a montanha, o seu olhar
Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest là-même
Essa menina, essa menina, essa menina
Essa menina vem me dizer

Apesar de saber
Que nem tudo que eu quis eu pude conhecer
Nem deu pra mais prazer
Se cheguei até aqui
Bem no topo do vulcão, não posso mais descer
Mas tem como escorrer

Porque a natureza do amor
Está contida na beleza e na surpresa das manhãs
Dias que parecem tão iguais
Mas de repente vem sinais de uma nova magia

Depois desse encontro singular
O mato, o rum, o vinho, o mel e o mar
Essa menina, essa menina, essa menina
Essa menina vem me dizer

Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest là-même

Essa mania, essa mania, essa mania
Essa mania de viver

Essa mania, essa mania, essa mania
Essa mania de viver

Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest là-même

(Mart'Nália)

sábado, 25 de setembro de 2010

No Escuro

Alguns dias atrás foi meu aniversário, confesso que o mês de setembro é sempre um mês um pouco depressivo pra mim, não apenas por ter nascido nesse mês, mas porque é quando paro pra analisar as minhas realizações, minhas lutas, e as batalhas que ainda terei que disputar. Este ano ganhei um presente que foi maior do que todos os presentes que poderia receber. Um presente cujo valor excede todas as cifras existentes no mundo, e como diz meu pequeno príncipe, é infinita. Mas isso vou contar em outro post onde falarei sobre o perdão, sobre o ser humano. Agora quero falar sobre o peso dos anos.

A minha curta experiência de vida me mostrou algumas pérolas que talvez eu compartilhe com vocês; gosto de dizer que quando temos uma decisão importante pra tomar e estamos confusos sobre a melhor opção, o melhor é não optar por nada. Quando concentramos nossa energia num único problema, muitas vezes deixamos passar detalhes importantes, e passamos a vida toda nos perguntando se a escolha que fizemos foi correta.

Na época da faculdade uma professora de psicologia do desenvolvimento explicou o que era “insight”, e fiquei pensando que, quem sabe, esse tal de "insight" não seria a resposta para os nossos problemas. Quando deixamos de lado uma decisão importante para cuidarmos de outros assuntos, é bem comum encontramos a resposta para a questão que nos afligia. A conclusão é que não fazer nada é a decisão mais importante num momento difícil. Longe de dizer pra nos prostrarmos diante das coisas, digo que se pudermos esperar, o tempo nos mostra o que realmente queremos fazer. E enquanto isso cuidamos de outros assuntos.

Essa semana topei com um estudo de uma indiana que provou cientificamente, o que antes eu deduzia empiricamente. De maneira que, ontem, deixando meus problemas de lado, resolvi reviver uma experiência que remontava meus tempos de adolescente. Peguei o metrô meio sem rumo, meio sem obrigação e fui para onde meu coração me mandou. Tudo bem que isso não corresponde exatamente ao que descrevi, mas ontem me propus a viver experiências novas e antigas, únicas e fantásticas.

Quando criança, os adultos sempre nos falavam que éramos muito pequenos pra muitas coisas que queríamos fazer. Lembro que desejava fazer 18 anos para realizar tudo que antes me era proibido. Só que ninguém nos conta que junto com a tão sonhada palavra liberdade vem um plus, não muito legal, chamado responsabilidade. Tem horas em que me canso de decidir tudo, de tomar iniciativa, de fazer sempre o que é certo e de viver sempre no meu mundinho. Ontem eu me despi de mim, e entrei fundo no vazio do que sou, respondendo a um eu renegado.

Quase não dormi, mas foi um dos dias mais felizes desse ano. Sair por aí sem preocupação e sem obrigação, conhecendo pessoas por onde passava, me sentindo viva e jovem, sensual e bela. Não foi preciso aprofundar relações, nem falar sobre temas fechados, simplesmente conversei com diversas pessoas, sobre assuntos diferentes e me dei conta da minha insignificância e de como muitas vezes sou prepotente e arrogante. Porque nem tudo que é ruim pra mim é ruim pra todos. Percebi isso conversando no metrô com uma menina que estava satisfeitíssima com o prefeito que eu não suporto. Nós estávamos certas nas nossas opiniões, e estávamos erradas. Cada uma olhava apenas pra sua própria necessidade.

No fim, sinto que fechei um ciclo e respondi a uma questão que me deixava angustiada. Mas principalmente, consegui resgatar o melhor de mim. Adoro pessoas e as odeio. Acho que o princípio universal da vida é a ambigüidade. Estudando um pouco de mitologia percebi que todas trabalham, de uma maneira ou de outra, a questão da ambigüidade. Veja o Yin e Yang, fêmea e macho, bem e mal. Isso pode ser visto em todas as culturas, desde as mais antigas até o presente momento. Quem não se pergunta se é bom ou ruim. Quando olhamos aquele doce ou salgado atraente e apetitoso, sempre nos perguntamos se nos fará bem, mas quando o saboreamos sentimos que nos faz bem, e não importa se aumentou nosso peso, colesterol ou pressão. Pra nós o prazer esta sempre associado a algo bom. Será?

Segundo Foucault, a sociedade para manter a “ordem” e a “disciplina” nos restringe o prazer. Assim, vemos na cultura judaico-cristã o sexo como sendo algo ruim, um mal necessário para manutenção da espécie. Não são poucas as mulheres que, mesmo com o desenvolvimento do movimento feminista e a liberação sexual do nosso século, jamais foi capaz de sentir prazer, de ter um orgasmo.

Em algumas culturas, o prazer só é permitido para os homens. Em muitos países da África o clitóris feminino é extirpado ainda na infância a sangue frio, levando muitas a morte prematura e outras à ignorância total do prazer sexual (pelo menos o clitoriano). Mas quantas de nós, nas sociedades dita liberais, não temos nosso clitóris extirpado? Nosso prazer negado?

No trabalho, somos vistas de modo diferente. Se um homem anda com um botão da blusa aberto, ele é visto como sendo descolado, se uma mulher faz o mesmo é considerada, no mínimo, como sendo muito ousada, atrevida ou indiscreta. Não estou tratando de uma questão puramente sexista, porque as mulheres, por vezes, são as primeiras a se criticar.

Vi um belo filme chamado Malena, um interessante filme que retrata o descobrimento do sexo por um menino e o preconceito de uma pequena vila com uma mulher jovem, bonita e solitária. Malena, casada com um militar, é deixada duas semanas após seu casamento para que seu marido lute pela Itália na Segunda Grande Guerra.

O incomodo causado pela beleza da jovem e sua solidão, faz surgir vários boatos sobre sua fidelidade ao marido distante. Assim ela ganha a antipatia das mulheres, invejosas de sua beleza e jovialidade, e o desejo ardente dos homens, intrigados e desejosos. Até então, os boatos não lhe causavam muitos problemas, mas quando seu marido é dado como morto, a cidade se alvoroça, e tais boatos chegam até o pai da jovem que, crendo na má conduta da filha, a abandona. Viúva e após a morte de seu pai num bombardeio a cidade, Malena se entrega aos boatos e se torna uma prostituta.

Não vou contar o final do filme, pois acredito que pela bela fotografia e delicadeza da história, ele deve ser visto e não simplesmente contado. A sutileza com que são mostradas as cenas e o desenrolar da história me faz pensar o quanto, ainda hoje, não nos deparamos com Malenas e mulheres invejosas, assim como homem recalcados.

Você me pergunta como do meu aniversário eu fui parar na questão da liberdade sexual e o preconceito?

Pois bem, quando adultos nos deparamos com várias teorias, teses e antíteses da vida. Neste momento penso que todo radicalismo excede a razão e a destrói; desejo, profundamente, que nos próximos anos o mundo seja mais racional e humano.

“Quando tá escuro e ninguém me vê

Quando tá escuro, eu enxergo melhor

Quando ta escuro, te vejo brilhar

É onde eu fico a vontade sem medo da claridade

Passo o dia inteiro esperando a noite chegar

Porque não há mais nada que eu queira fazer.

Quando tá escuro, tanto faz que cor tem

Quando tá escuro só valem as palavras

Quando tá escuro ninguém repara as minhas meias

É onde eu fico a vontade, sem medo da claridade

Passo o dia inteiro esperando a noite chegar

Porque não há mais nada que eu queira fazer...”

(Pitty – No escuro)

A tempo: Por que nos sentimos idiotas quando estamos absurdamente felizes?