terça-feira, 9 de abril de 2013

A PODA DOS GALHOS MORTOS

Revisando meus escritos, encontrei uma postagem que não publiquei. Embora esteja defasada com o momento, achei interessante postar. Palavras só ganham vida se tiverem leitores. Espero que os agrade.

A poda dos galhos mortos


 Desde outubro a única coisa que tenho feito pelas minhas plantinhas é colocar água nelas. Durante muito tempo não tive vontade, paciência ou qualquer outro sentimento, para realmente cuidar delas. Outro dia, resolvi que tiraria a poeira que pairou sobre minha vida. A parte mais difícil de uma decisão é o começo. Perceber o que devemos mudar é, relativamente, fácil. Ouvi por diversas vezes nas minhas três décadas que para começar só começando. Mas a pergunta que acredito que todos se façam diante da execução de algo complexo é: por onde começar?

Geralmente sou bem objetiva, mas como qualquer ser humano, há momentos em que as coisas me parecem um pouco mais difícil do que eu imagino que seja. Ou talvez minha percepção esteja equivocada e minha aparente razão não seja capaz de criar um nexo causal pra iniciativa tomada. De qualquer maneira, o começo é sempre mais difícil. O primeiro passo é sempre o mais demorado e complicado. Antes de dar os primeiros passos, o bebê ensaia várias vezes. O que para nós se dá de forma rápida, para eles é um processo longo. O tempo passa para todos de maneira muito particular. O bebê avalia sua capacidade de andar, tenta levantar-se e manter-se de pé. Ele só caminha pela primeira vez quando se sente totalmente seguro, e nos brinda com uma surpresa maravilhosa.

Para os judeus e alguns outros povos, a entrada de uma loja ou casa deve estar sempre limpa, não apenas por ser o cartão de visitas do local, mas porque se estiver suja, ao adentrar a sujeira virá junto. Em alguns lugares não se entra de sapatos, que são deixados na porta. Pensando nisso, resolvi começar minha faxina por fora, pela minha casa. Mas dentre tantas coisas a se fazer o que faria primeiro?

Pensei ser um bom momento para cuidar daqueles que eu desejava trazerem cor pra minha vida. Em todos os lugares que eu já morei, este apartamento para o qual eu mudei é o único cuja pintura é toda branca. Já morei numa casa cor de rosa, mas branco nunca. Tenho uma pseudo varanda, toda branquinha. Meu prédio é um antigo com estilo clássico. Passei num mercado e comprei várias flores e plantinhas para enfeitar minha varanda e torná-la mais agradável. Para mim uma casa muito clean é desumana. Seres humanos são seres multifacetados, coloridos e heterogêneos, e isso não combina com um ambiente muito...branco.

Assim, comecei meu trabalho de reorganização pelas minhas plantinhas. Enquanto as podava, percebi que muitas vezes precisamos nos podar. Precisamos ver quais os galhos, flores ou folhas precisam ser retirados de nós para que mantenhamos nossa saúde. Quando insistimos em manter determinadas coisas que nos fazem mal, ficamos mais feios. Um amigo que esteve na minha casa me falou que minhas amigas verdes estavam morrendo secas. As partes mortas estavam tão evidentes que mal conseguíamos ver as pequenas ramagens nascendo por baixo das folhas e dos caules ressecados.

Na vida, temos muitos sentimentos que precisam ser podados pra não atrapalharem os sentimentos bons que precisam de espaço pra crescer. Esse movimento precisa ser constante. Uma amiga me disse que para ter um bom fim de semana sentia que precisava beber uma cerveja com o marido pra poder esquecer dos problemas do trabalho. Carregamos muitos fardos na vida. Ontem, enquanto levava meu filho pra escola um homem praguejava aos berros o fato de algumas pessoas tratarem os outros como burros de carga. Na vida social somos obrigados a engolir muitos sapos, represar sentimentos e ocultar nossos desejos em prol da coletividade. Mas no longo prazo isso não é bom.

Quem nunca sentiu os ombros pesados como se carregássemos o mundo nas costas como Atlas?

Ou quem nunca sentiu como se, durante todo o dia, carregasse grandes e pesados blocos de pedras, para depois vê-las retornar ao lugar inicial para que as carregássemos novamente como Sísifo?

Esses sentimentos acumulados são tão danosos quanto os vícios nas drogas lícitas e ilícitas. De tempos em tempos precisamos realizar nossa poda, eliminando aquilo que não está bom para ter mais espaço pra coisas boas nascerem em nós. Quando estamos muito ocupados pensando no que fazer para resolver um problema, não vemos muitas soluções. Quando nos distanciamos do problema, quando nos ocupamos de outras coisas, nosso cérebro é capaz de nos mostrar respostas muito criativas e eficientes. A poda funciona mais ou menos da mesma maneira.

Mas como faríamos essa poda? De quanto em quanto tempo devemos fazê-la?
Longe de sermos loucos ou medíocres, acreditando sermos mais do que realmente somos capazes de ser. Acredito que quando nos vemos tristes, inseguros, solitários ou simplesmente cheios de tudo, esse é o momento em que a poda já passou da hora de acontecer. Nessas horas a poda é mais do que necessária, é urgente.

O ideal é que nós nos despíssemos todos os dias de nossos personagens na vida e fossemos dormir completamente despido de nós mesmos e de todo o resto. Algumas pessoas olham pra trás e dizem de alguma maneira quando saem do trabalho que o que aconteceu lá permanece lá. Isso me lembra uma cena muito interessante do filme sobre Carlota Joaquina – Princesa do Brasil da diretora Carla Camurati, onde a princesa retira os sapatos, jogando a areia fora e dizendo que desta terra não queria sequer o pó. Deveríamos fazer isso todos os dias, como um ritual de purificação, semelhante àquele que os católicos fazem ao passar em frente a uma Igreja ou adentrá-la.

Não quero, contudo, dizer que tudo de ruim que nos acontece deva ser negligenciado e relegado ao esquecimento total. Apenas que devemos aprender a dar a importância devida a cada coisa e depois seguirmos em frente. Novos aprendizados são sempre válidos, quer seja pelas coisas boas que nos acontecem, quer seja pelas más. O que importa é não se deixar endurecer pelas tristezas e decepções, mas manter o espírito sempre jovem e cheio de amor.