A poda dos galhos mortos
Desde
outubro a única coisa que tenho feito pelas minhas plantinhas é
colocar água nelas. Durante muito tempo não tive vontade, paciência
ou qualquer outro sentimento, para realmente cuidar delas. Outro dia,
resolvi que tiraria a poeira que pairou sobre minha vida. A parte
mais difícil de uma decisão é o começo. Perceber o que devemos
mudar é, relativamente, fácil. Ouvi por diversas vezes nas minhas
três décadas que para começar só começando. Mas a pergunta que
acredito que todos se façam diante da execução de algo complexo é:
por onde começar?
Geralmente
sou bem objetiva, mas como qualquer ser humano, há momentos em que
as coisas me parecem um pouco mais difícil do que eu imagino que
seja. Ou talvez minha percepção esteja equivocada e minha aparente
razão não seja capaz de criar um nexo causal pra iniciativa tomada.
De qualquer maneira, o começo é sempre mais difícil. O primeiro
passo é sempre o mais demorado e complicado. Antes de dar os
primeiros passos, o bebê ensaia várias vezes. O que para nós se dá
de forma rápida, para eles é um processo longo. O tempo passa para
todos de maneira muito particular. O bebê avalia sua capacidade de
andar, tenta levantar-se e manter-se de pé. Ele só caminha pela
primeira vez quando se sente totalmente seguro, e nos brinda com uma
surpresa maravilhosa.
Para os
judeus e alguns outros povos, a entrada de uma loja ou casa deve
estar sempre limpa, não apenas por ser o cartão de visitas do
local, mas porque se estiver suja, ao adentrar a sujeira virá junto.
Em alguns lugares não se entra de sapatos, que são deixados na
porta. Pensando nisso, resolvi começar minha faxina por fora, pela
minha casa. Mas dentre tantas coisas a se fazer o que faria primeiro?
Pensei
ser um bom momento para cuidar daqueles que eu desejava trazerem cor
pra minha vida. Em todos os lugares que eu já morei, este
apartamento para o qual eu mudei é o único cuja pintura é toda
branca. Já morei numa casa cor de rosa, mas branco nunca. Tenho uma
pseudo varanda, toda branquinha. Meu prédio é um antigo com estilo
clássico. Passei num mercado e comprei várias flores e plantinhas
para enfeitar minha varanda e torná-la mais agradável. Para mim uma
casa muito clean é desumana. Seres humanos são seres
multifacetados, coloridos e heterogêneos, e isso não combina com um
ambiente muito...branco.
Assim,
comecei meu trabalho de reorganização pelas minhas plantinhas.
Enquanto as podava, percebi que muitas vezes precisamos nos podar.
Precisamos ver quais os galhos, flores ou folhas precisam ser
retirados de nós para que mantenhamos nossa saúde. Quando
insistimos em manter determinadas coisas que nos fazem mal, ficamos
mais feios. Um amigo que esteve na minha casa me falou que minhas
amigas verdes estavam morrendo secas. As partes mortas estavam tão
evidentes que mal conseguíamos ver as pequenas ramagens nascendo por
baixo das folhas e dos caules ressecados.
Na vida,
temos muitos sentimentos que precisam ser podados pra não
atrapalharem os sentimentos bons que precisam de espaço pra crescer.
Esse movimento precisa ser constante. Uma amiga me disse que para ter
um bom fim de semana sentia que precisava beber uma cerveja com o
marido pra poder esquecer dos problemas do trabalho. Carregamos
muitos fardos na vida. Ontem, enquanto levava meu filho pra escola um
homem praguejava aos berros o fato de algumas pessoas tratarem os
outros como burros de carga. Na vida social somos obrigados a engolir
muitos sapos, represar sentimentos e ocultar nossos desejos em prol
da coletividade. Mas no longo prazo isso não é bom.
Quem
nunca sentiu os ombros pesados como se carregássemos o mundo nas
costas como Atlas?
Ou quem
nunca sentiu como se, durante todo o dia, carregasse grandes e
pesados blocos de pedras, para depois vê-las retornar ao lugar
inicial para que as carregássemos novamente como Sísifo?
Esses
sentimentos acumulados são tão danosos quanto os vícios nas drogas
lícitas e ilícitas. De tempos em tempos precisamos realizar nossa
poda, eliminando aquilo que não está bom para ter mais espaço pra
coisas boas nascerem em nós. Quando estamos muito ocupados pensando
no que fazer para resolver um problema, não vemos muitas soluções.
Quando nos distanciamos do problema, quando nos ocupamos de outras
coisas, nosso cérebro é capaz de nos mostrar respostas muito
criativas e eficientes. A poda funciona mais ou menos da mesma
maneira.
Mas como
faríamos essa poda? De quanto em quanto tempo devemos fazê-la?
Longe de
sermos loucos ou medíocres, acreditando sermos mais do que realmente
somos capazes de ser. Acredito que quando nos vemos tristes,
inseguros, solitários ou simplesmente cheios de tudo, esse é o
momento em que a poda já passou da hora de acontecer. Nessas horas a
poda é mais do que necessária, é urgente.
O ideal
é que nós nos despíssemos todos os dias de nossos personagens na
vida e fossemos dormir completamente despido de nós mesmos e de todo
o resto. Algumas pessoas olham pra trás e dizem de alguma maneira
quando saem do trabalho que o que aconteceu lá permanece lá. Isso
me lembra uma cena muito interessante do filme sobre Carlota Joaquina
– Princesa do Brasil da diretora Carla Camurati, onde a princesa
retira os sapatos, jogando a areia fora e dizendo que desta terra não queria sequer o pó. Deveríamos fazer isso todos os dias, como
um ritual de purificação, semelhante àquele que os católicos
fazem ao passar em frente a uma Igreja ou adentrá-la.
Não
quero, contudo, dizer que tudo de ruim que nos acontece deva ser
negligenciado e relegado ao esquecimento total. Apenas que devemos
aprender a dar a importância devida a cada coisa e depois seguirmos
em frente. Novos aprendizados são sempre válidos, quer seja pelas coisas boas que nos acontecem, quer seja pelas más. O que importa é não se deixar endurecer pelas tristezas e decepções, mas manter o espírito sempre jovem e cheio de amor.
BELÁ BRANCA,
ResponderExcluirsou seu mais novo seguidor e trago para aqui a minha chave na fechadura que, pretendo abrir uma amizade através de uma porta que nos acrescente mútuos e novos profícuos valores.
Sua postagem, remeteu-me BELÁ imediatamente para uma das passagens que mantenho em minha mente e que constantemente, aflora em ocasiões nas quais constato, como agora, similitude pertinente.
Ou seja, a poda que é feita, remova,traz novas energias e transmuta, assim como ,aquilo que para a lagarta é a morte e para Deus é o nascimento da borboleta.
Daquele casulo escuro e desconfortável da lagarta,aflora um linda e multicolorida borboleta que ganha os ares e se desprende daquele sombrio local anterior.
Portanto,voe Belá.
Se quiser conhecer meus blogues ficaria, sinceramente, muito honrado, minha conterrânea.
Um abração carioca.
Obrigada pelo comentário. Um blog não é feito sem leitores e os comentários são uma forma de diálogo entre autor e leitor tbm autor. Em breve postarei mais coisas. Percebi que nos últimos anos fui escrevendo e deixando de publicar algumas coisas. Vou tentar retomar a rotina e trazer mais textos para este blog. Um abraço.
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