sábado, 16 de outubro de 2010

Comer, Rezar, Amar

Todos têm o desejo de em algum momento saber o futuro. Desde a estréia do filme “Comer, rezar, amar” tenho tentado vê-lo. Senti como se fosse mister assistir esse filme e comecei a escrever sobre ele antes mesmo de ver, e essa necessidade fazia-me sentir como se minha vida dependesse disso. Acredito que tal fato é derivado de uma tentativa, mesmo que frustrada de adquirir esperança.

Primeiro imaginei que como não conseguia companhia, imaginei como seria vê-lo sozinha. Nunca havia feito isso antes, sempre fui ao cinema acompanhada por alguém. Imaginei como seria triste sair do cinema sem ter ninguém pra comentar.

Acredito que nesse ponto tenha me subestimado muito. Como não gosto de ficar sozinha, quase sempre invento um jeito de conhecer pessoas. E desta vez não foi diferente. Apenas alguns dias atrás, eu cedi aos meus amigos e criei uma conta no Facebook. Acho que no fundo eu estava caçando borboletas, e me peguei num lugar onde não existia nenhuma delas. Todavia reencontrei um velho amigo, um ex colega de trabalho, e combinamos de ver o filme juntos.

Sai sem muito desejo de comentar com ele o motivo por ter ficado tão feliz com o filme. A companhia dele foi bacana, ele é uma pessoa muito legal. Quando saímos do cinema ainda comentei sobre a autora com duas mulheres que desciam a escada rolante conosco. Depois conheci uma senhora muito simpática na fila do ônibus. Uma das grandes lições aprendidas por Gilbert em sua viagem pelo mundo foi de que devemos aprender com cada pessoa que encontramos pelo caminho. Acho que isso eu conheço bem.

Acredito que o aprendizado é melhor assimilado quando compartilhamos nossas descobertas com outras pessoas. Por isso sempre estou predisposta a conhecer pessoas. Esses momentos sociais me ajudavam a fugir de algo que sempre me perturbou e que, creio, ainda me perturba. Às vezes sinto como se minha missão fosse ajudar as pessoas libertando-as de seus fardos e ajudando-as a carregá-los. E sempre imaginei que meu destino, embora eu me questione o tempo todo sobre sua veracidade, fosse viver só.

O filme que vi foi sobre uma mulher que, após o divórcio, sentiu a necessidade de movimentar sua vida e descontruir-se para depois se reconstruir. Num momento de extrema dor e falta de ânimo, ela percebeu que era hora de mudar, e resolveu viajar para os lugares que acredita serem capazes de lhe devolver o que havia perdido. Comer, rezar e amar, talvez sejam às três máximas de nossas vidas, as três grandes descobertas dessa mulher.

Ela disse a uma amiga que, embora sempre tivesse apreciado a comida, naquele momento ela não tinha vontade de comer. Ela perdera o prazer de comer. E comer é algo que proporciona um prazer inacreditável, pelo menos pra mim. Além de saciar a fome, a comida revela muito sobre quem somos; não apenas pela maneira como comemos, mas também por aquilo que comemos. Podemos saber os costumes, crenças e hábitos dos povos apenas olhando para o que eles comem ou comeram. A comida está intimamente ligada com a história e com o desenvolvimento humano.

Segundo arqueólogos e historiadores, no inicio éramos grupos de clãs nômades que comiam aquilo que caçavam, além de raízes e frutos que eram colhidos pelo caminho. Íamos onde havia comida. Em todo o livro de Gênesis, vemos essa movimentação constante das tribos ou clãs em busca de um lugar com fartura de alimentos. A migração dos hebreus para o Egito acontece por conta da escassez de alimentos. Em Êxodo, a promessa da terra que emana leite e mel faz com que o povo hebreu volte para as terras de Canaã. Esse é só um exemplo simplório, uma vez que nesse período a agricultura já era de conhecimento de alguns povos. Mas que nos ajuda a entender melhor essa relação antiga do homem com a comida. Em outra parte da Bíblia, lemos que Deus dera um alimento chamado maná, cujo sabor era delicioso e que supria todas as necessidades nutricionais do povo hebreu.

Com a agricultura, pecuária e o comércio, começamos a nos organizar em cidades. A culinária foi se aperfeiçoando e ganhando ares de arte, com chefs gourmet. Hoje temos restaurantes de todos os tipos e para todos os gostos, pelo menos nas grandes metrópoles. A comida revela além do que já foi citado, o status de quem come. Embora haja restaurantes pra todos os gostos, alguns só podem ser freqüentados por quem pode pagar pelo luxo oferecido. Esse status varia também dependendo de onde estamos.

No Brasil é comum encontrarmos árvores frutíferas e comer a fruta colhida na hora. A fartura desse tipo de alimento faz com seus preços sejam relativamente baixos para nós, se comparado com alguns produtos industrializados. Uma amiga viajou para Munique a fim de visitar uma prima. Todavia para sua infelicidade a bagagem foi extraviada. No desespero e com o atraso da prima que a buscaria no aeroporto, ela tentava explicar a situação para os funcionários da companhia aérea, mas como não falava nenhuma língua além do português, ficou confusa e desesperada.

Depois de resolvida a situação, a funcionária da empresa ofereceu bananas pra essa minha amiga, que se revoltou com tal atitude. Foi então que ela descobriu que lá na Europa a banana era artigo de luxo, bem mais caro que muitos chocolates finos. Eles têm que importar frutas tropicais o que as torna caras.

Após redescobrir o prazer de comer na Itália, Gilbert viajou para a Índia em busca de sua elevação espiritual. Rezar/orar é algo que nos eleva de certa maneira. A meditação procedente da religião, sua filosofia, nos faz buscar a elevação, não apenas espiritual, mas também pessoal. Para mim foi muito fácil falar sobre o prazer de comer. Gosto de escrever, e não entendi quando ao falar sobre a segunda parte eu travei. Somente após ver o filme consegui entender o motivo pelo qual eu não conseguia escrever. Assim como a escritora americana, eu necessito passar por um processo de redescoberta para poder falar sobre fé.

Não que eu não a tenha, mas nesse específico momento eu necessito me libertar das coisas do passado, descobrir meu eu interior e só depois falar sobre fé. Tem uma cena do filme muito interessante onde ela busca meditar, só que tudo a atrapalha. Olha no relógio e não se passara nem um minuto desde que tentara meditar. Meditação é algo que temos que fazer de dentro pra fora. Libertar-nos de nossos pensamentos e angústias é muito difícil. Sempre tive admiração pelas pessoas que conseguem entrar em êxtase meditando. Para mim, apenas o sexo propicia tal transcendência.

Quando Liz Gilbert chegou a Bali, ela havia redescoberto o prazer de comer e a liberdade de não se sentir culpada por aquilo que ela não era capaz de controlar. Somos responsáveis pelas nossas ações, mas não pelas ilusões que as pessoas criam de nós. Em Bali, ela descobriu que sua viagem a havia transformado em uma pessoa melhor. Que havia ensinamentos que não podiam ser aprendidos sem a interação da oportunidade com a disponibilidade. Que muitas vezes precisamos vivenciar a dor da perda antes de entendermos melhor o que necessitamos.

Amar é algo que buscamos desde o nascimento. Segundo Adriana Calcanhoto, o amor é sobre-humano. E não falo apenas do amor romântico, mas todas as formas de amor, ou todas as vertentes de amor. Lembro-me de um filme com a linda Natalie Portman, onde ela com um bebê nos braços, pergunta como pode alguém amar um ser que acabou de conhecer. Esse é o amor de mãe, que alguns dizem ser altruísta, mas que eu acredito que não seja. Mãe é sempre um bicho engraçado, alguns gostam de dizer que mãe só muda de endereço, mas não é verdade. Cada mãe é uma mãe diferente, com algumas sutis semelhanças e, por vezes, muitas diferenças.

O amor altruísta é aquele que não pede nada em troca. Aquele que se entrega sem exigir retribuição. E embora muitos acreditem possuí-lo, ele existe de maneira muito escassa no mundo. Madre Teresa de Calcutá é considerada como um exemplo de pessoa altruísta. Conheci pessoalmente algumas. Tenho um amigo que sempre foi assim, ele brinca dizendo que mudou, mas espero que seja mentira. Ele é meu amor de paixão, um ser incrível e muito divertido. Um grande amigo que mesmo na distância não foi ausente num dos momentos mais difíceis da minha vida.

O amor romântico todos conhecem, é o mais procurado, embora seja, para mim, o menos importante. Ele é a sina de muitos. Tenho uma amiga que depois de muitos anos, e vendo a juventude passar, desistiu de procurar sua cara metade. Talvez essa tenha sido a atitude mais inteligente dela. Pois ela conheceu o seu amor, e casou. Levou quase uma vida e chegou num momento em que ela não pode mais gerar filhos, mas isso é só um detalhe.

Também conheço pessoas que buscaram a vida inteira esse amor idealizado e que perderam muitas chances de felicidade, ficaram tão obcecados por essa fantasia que não foram capazes de viver outras possibilidades. O sofrimento e a culpa consumiu sua juventude e tornou sua velhice solitária. Vocês sabem que não sou romântica, e que não acredito no “felizes para sempre”. Mas devemos parar de aceitar essa ilusão holliwodiana e perceber que a solidão é inerente ao fato de termos alguém do lado. Ela é inerente a nossa vontade e faz parte de nós. Tememos a solidão da mesma maneira que tememos o escuro, porque eles trazem a tona coisas que nem sempre desejamos ver. Medos, sentimentos de dor, lembranças que nos assombram. Mas os sentimentos ruins não tem como ser apagados, eles fazem parte de nós e de nossa evolução. Alguns pesquisadores acreditam que a depressão é o mal do século.

Acreditava-se que a Internet e as redes sociais acabariam com esse sentimento, mas vemos ele aumentar muito. Nunca se diagnosticou tanta depressão como hoje. Qualquer tristeza vira logo um bom motivo para medicações que prometem melhorar a vida. Já estão inclusive inventando um spray que faz com que as pessoas se apaixonem. Buscamos sempre o amor e com ele a aceitação de nós mesmos, por nós e pelos que nos cercam.

Gilbert descobriu em Bali, uma junção de coisas que só foram apreendidas por ela no momento certo, e após vários processos executados. Em Bali, ela descobriu que depois de curar o coração partido, ficarmos mais fortes e equilibrados, precisamos nos desequilibrar com o amor para sermos felizes. Ela também aprendeu que família não são só as pessoas que compartilham conosco uma herança genética muito próxima, e que não é nossa escolha. Família também são aquelas pessoas que entram nas nossas vidas para nos ensinar coisas importantes e também aprender conosco. São os amigos que nos ajudam e por nós são ajudados. São aqueles que escolhemos amar.

“O que há dentro do meu coração

Eu tenho guardado pra te dar

E todas as horas que o tempo
Tem pra me conceder
São tuas até morrer

E a tua história, eu não sei
Mas me diga só o que for bom
Um amor tão puro que ainda nem sabe
A força que tem
É teu e de mais ninguém

Te adoro em tudo, tudo, tudo
Quero mais que tudo, tudo, tudo
Te amar sem limites
Viver uma grande história

Aqui ou noutro lugar
Que pode ser feio ou bonito
Se nós estivermos juntos
Haverá um céu azul

Um amor puro
Não sabe a força que tem
Meu amor eu juro
Ser teu e de mais ninguém
Um amor puro.”

(Djavan – Um amor puro)

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