domingo, 7 de novembro de 2010

A Arte de Reconhecer


Nos últimos meses me dediquei a pensar sobre a vida. Particularmente a minha vida. E descobri que muitas vezes deixamos de ser nós mesmos e isso é uma responsabilidade totalmente nossa. Temos a incrível capacidade de nos distanciarmos de nós mesmos quando é necessário.
Acho muito engraçada essa necessidade que temos de ter um objetivo na vida. Não vivemos sem planos. Descobri recentemente que há culturas onde o porvir é somente o porvir. Tento viver sem pensar muito sobre o futuro, mas na nossa cultura newtoniano-cartesiana isso é muito difícil.
Ficamos sem chão quando não olhamos pro futuro e traçamos metas. É difícil viver sem ter planos, e mesmo aqueles seres que parecem constantemente despreocupados, em algum momento se atormentam com a idéia do que será feito amanhã.
Quando resolvi me dedicar mais a mim e a minha redescoberta, peguei-me sonhando sonhos antigos e tracei metas. Acredito que não precise dizer que boa parte dos meus planos não passaram de fogo de palha. Não consegui cumprir metade do que planejara. E por mais absurdo que possa parecer, consegui não me culpar.
Como disse recentemente para um amigo, a culpa nos puxa pra baixo e não nos permite evoluir. Quando nos sentimos culpados por algo, tendemos a nos ver também como vitimas. Vitimas são aquelas pessoas incapazes de mudar a situação em que se encontram. Uma das definições do dicionário para “vítima” é: 4. Pessoa que sofre o resultado funesco de seus próprios sentimentos. (Michaelis 2008)
Outro significado para a mesma palavra é sacrificar-se. O sacrifício que nos impomos quando nos portamos como vítimas é lento e doloroso. Embora nos entreguemos ao sacrifício, muitas vezes, com boa vontade o resultado dessa entrega é esperado, é ruim. Nos colocamos a chorar ou simplesmente engolimos o choro.
De qualquer maneira, nosso corpo sofre sempre como se nos impuséssemos a castigos corporais. Ou descontamos nossa angústia comendo demais ou não comemos. Não dormimos direito ou dormimos muito. Nossa vida dá um giro inesperado e violento. Sentimos o chão faltar, o ar faltar e tudo mais parece incerto e confuso.
Quando nos colocamos como vítimas não enxergamos além do nosso próprio nariz. Projetar, planejar, ou simplesmente criar alternativas para a dor lancinante cesse, nos faz sentir melhor. Todavia a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Quando não dosamos bem nossos planos e metas podemos incorrer no risco de serem substitutos tão dolorosos quanto a vitimização que nos predispomos.
Quando traçamos planos complexo demais ou muito fora de nossa realidade, nós não os concluímos. Geralmente sequer o iniciamos, o que nos faz sentir culpa, levando-nos a dor e a sensação de incapacidade crônica. Entramos num ciclo vicioso de excitação e culpa. Nos excitamos com a possibilidade de mudança, nos deixamos arrebatar pela idéia da novidade, do que somos capazes. Quando não conseguimos iniciar ou concluir nossos projetos, nos vemos da pior maneira possível.
Adoro uma passagem do “Pequeno Príncipe” onde ele conhece um Rei de um planeta deserto, e declara a este rei sua paixão pelo pôr-do-sol. O rei diz que se era capaz de ordenar ao sol que este se poria quantas vezes fosse-lhe solicitado. O pequeno príncipe pede ao rei que ordene ao sol se pôr, e o rei lhe responde que não pode ordenar aquilo que seus súditos não são capazes de cumprir.
Entender nossos limites é o primeiro passo rumo ao auto conhecimento, e o auto conhecimento é o primeiro passo para a felicidade. Certa vez me disseram que só somos capazes de amar quando nos amamos primeiro. Acredito que só estamos aptos para a felicidade se nos atentarmos para nós mesmos, se percebermos cada momento como um momento de felicidade. E aprendermos a guardar as lembranças boas para quando passarmos por momentos difíceis.
Meu pequeno príncipe pegou catapora. Nos primeiros dias ele sentiu um enorme desconforto e ficou muito amuado. Chorava a toa, não queria comer e não conseguia dormir. No entanto quando cheguei na casa da minha mãe para buscá-lo ele abriu um largo sorriso e me disse que me amava. As crianças são assim, elas são capazes de sorrir mesmo na dor. Elas são capazes de viver cada momento no seu momento. Acho que esse é o segredo para ser feliz.
Bom, todo esse papo começou porque resolvi contar pra uma jovem sonhadora de vinte e dois anos que me separei, que me pus a escrever num blog, e que futuramente pretendo publicar um livro. Fui afrontada com uma pergunta que me fez pensar. Esta jovem sonhadora, com a inocência de uma criança, perguntou-me qual o objetivo de escrever um livro.
Lembrei-me de uma pequena história de Cecília Meireles, onde o diabo encontra uma criança que faz com seu dedo um buraco no chão, e quando a interroga sobre seu objetivo, a criança simplesmente lhe responde que não há objetivo, que somente está fazendo um buraco no chão com o dedo.
Acredito que seja esse o meu objetivo: apenas escrever um livro e publicá-lo. Às vezes não precisamos de um objetivo pra começarmos algo. Precisamos começar, e depois se houverem frutos, que sejam colhidos no momento próprio e oportuno. Se não houver frutos, pelos menos houve a tentativa de formá-los.
Não é incomum a não ação, quando não temos certeza dos resultados advindos da ação. No entanto, se formos racionalizar sempre, não teremos tempo de agir. Há momentos em que devemos nos despir da razão e simplesmente ouvir a voz do coração. Entregar-se ao inesperado pode ser um bom exercício.
“Hoje o meu coração mudou
Já não sei por que vim, quem sou
Mas o que sou capaz
E o resto tanto faz.
Foi só eu descansar
Junto ao pé de uma árvore
Que me acolheu
E depois me ocorreu.
Vi que a vida que vivia em mim
Agora vive aqui nesse lugar
Em volta das sombras
Essa ilha é a reunião das infinitas direções
Que o vento traz com as ondas.
E é quando me vejo a garimpar
As pedras, a montanha, o seu olhar
Rest la maloya, rest la maloya
Rest la maloya, rest la maloya
Rest là meme
Essa menina, essa menina
Essa menina, essa menina vem me dizer.
Apesar de saber
Que nem tudo que eu quis
Eu pude conhecer
Nem deu pra mais prazer
Se cheguei até aqui
Bem no topo do vulcão
Não posso mais descer
Mas tem como escorrer.
Porque a natureza do amor
Está contida na beleza
E na surpresa das manhãs
Dias que parecem tão iguais
Mas de repente vem
Sinais de uma nova magia
Depois desse encontro singular
O mato, o rum, o vinho, o mel e o mar
Essa menina, essa menina
Essa menina, essa menina vem me dizer.
Rest la maloya, Rest la maloya,

Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest là-même

Essa mania, essa mania, essa mania

Essa mania de viver

Essa mania, essa mania, essa mania

Essa mania de viver

Rest la maloya, Rest la maloya,

Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest là-même

Rest la maloya, Rest la maloya,

Rest la maloya, Rest la maloya,
Rest là-même.”

(Essa mania – Mart’Nália)

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