“O tempo passa e engasta a gastura dos sapatos
Na pressa à gente não nota que a lua muda de formato
Pessoas passam por mim pra pegar o metrô
Confundo a vida ser um longa metragem
O diretor
Segue seu destino de cortar as cenas
E o velho vai ficando fraco esvaziando os frascos
E não vai mais ao cinema
Tudo passa e eu ainda...”
(Ana Carolina)
Não são poucas às vezes em que nos deparamos com situações ou pessoas que nos fazem refletir sobre o tempo passado, e talvez também o futuro. Quando penso sobre mim, não me vejo com a idade que estou. O tempo parece apenas uma forma de tentar contar o infinito. Sinto-me como se o tempo passado não fosse, exatamente, passado. Quem sabe o tempo passado seja apenas uma leve brisa no ar, de modo que só o percebemos quando paramos para prestar atenção.
Só percebo minha idade e, conseqüentemente, o tempo passado, quando vejo as marcas do tempo em meu corpo. Cada cicatriz tem sua história, seja boa ou ruim. Já pensei muito sobre essas histórias e sobre como eu seria se elas fossem diferentes. Há uma música da cantora baiana Pitty que diz: “Memórias não são só memórias, são fantasmas que me exortam aos ouvidos coisas que eu nem quero saber...”
O que sei é que não seria eu mesma se não fossem as histórias boas e ruins. Aprendi com ambas, embora de diferentes formas. Acredito que a principal lição que aprendi com as boas histórias foi que na vida não há mal eterno e nem bem. Com as más, aprendi que “viver cansa, mesmo vivendo na França, mesmo indo de avião...” (Cássia Eller). E se viver é preciso, que vivamos todos os dias da melhor forma possível.
O tempo só é cruel com quem passa a vida olhando para o relógio. Tive o prazer de conhecer uma senhora cuja vida começou aos 60 anos de idade. Conheci a “Dona” Eunice no primeiro ano do segundo grau. Ela casou-se muito jovem, teve filhos e dedicou sua vida a cuidar de sua família. Quando o marido morreu e os filhos já estavam “criados”, ela resolveu que era hora de realizar seus sonhos.
Sonhos guardados não são sonhos perdidos, são sonhos esperançosos de um despertar. Na idade em que muitos considerariam suas vidas terminadas, “Dona” Eunice começou o despertar de seus sonhos, e não só os despertar, mas os viver. Fez supletivo, resolveu cursar o segundo grau regular, entrou numa universidade, e como se isso tudo já não fosse o bastante, ainda aprendeu a tocar piano.
Dizia-se que pessoas idosas não eram capazes de aprender novas coisas ou de mudar suas vidas, mas “Dona” Eunice provou que isso não é verdade, que como seres humanos, homo sapiens, somos sim capazes de aprender durante toda a vida, talvez com um pouco mais de dificuldade, mas somos capazes.
Por toda a sua garra, coragem e força, essa mulher se tornou pra mim uma fonte de inspiração. Nós disputamos por dois anos o título de melhor aluna de geografia de um dos professores mais loucos e divertidos que conheci na vida. Nunca fomos muito amigas e por isso não sei dizer o que aconteceu com ela depois, todavia gosto de imaginar que ela conseguiu realizar todos os seus sonhos e ser feliz.
A felicidade não é uma constante, ela é feita de fragmentos de vida, de sonhos, de esperanças e de lutas. Lutas por que sem lutas não há vitórias, e sem vitórias não há razões para se lutar.
“Eu fui matando os meus heróis
Aos poucos como se já não tivesse
Nem uma lição pra aprender.
Eu sou uma contradição
E foge da minha mão
Fazer com que tudo
Que eu digo faça algum sentido
Eu quis me perder por aí
Fingindo muito bem
Que eu nunca precisei
De um lugar só meu
Memórias não são só memórias
São fantasmas que me exortam
Olá, Branca!!! Gosto muito de ler seus textos. Você escreve muito bem. Tem um talento para ser uma boa contadora de histórias...escreva mais.
ResponderExcluirNão há regras a não ser as que você se impõe, não há limites a não ser os que você testa;)
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