terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Despedidas


          Se existe algo que amedronta a maior parte dos seres humanos é a morte. Pois ela significa a impossibilidade de mudança. Se temos medo de mudar, temos ainda mais medo daquilo que é imutável. A mudança nos traz o novo, o inesperado, aquilo que não temos controle. E o ser humano teme tudo aquilo que não pode controlar. Nesse ponto a morte se torna algo sobre o qual não temos controle. E por mais que a medicina tenha evoluído, ainda não conseguiu alterar esse fato - a morte é democrática, ninguém pode fugir dela.

          Mary Shelly escreveu um romance onde tentava lidar com seus sentimentos acerca da morte de sua filha. No livro ela tenta lidar controlar a morte, mas descobre que esse controle não é possível. Podemos conjecturar que a revolta da criatura pode simbolizar a nossa dor. A dor de quem teve os seus sonhos destruídos. A dor de quem não concluiu suas projeções ou desejos. A dor do eterno. Se a vida nos traz diversas possibilidades, a morte nos tira todas elas. Quem morre deixa um legado de sentimentos que nem sempre são bons. Quem fica pode sentir que há uma ponta solta. Algo ainda não terminado.

          O luto é sempre doloroso. E não há regras pra ele. Há um tempo certo para seu início, mas não para o fim. A dor não é constante, mas crônica. Tem vezes que é mais difícil lidar com ela, e tem outros momentos que é mais fácil. Mas não tem fim. Também não existe regras pra lidarmos com o luto. Talvez possamos estabelecer metas. Precisamos aprender a lidar com a perda. Trabalhar o desapego e lembrar que não importa o que não podemos mudar, mas podemos manter vivas as memórias e os bons sentimentos que nutrimos e das relações que vivemos.

          Sei que não fui clara e acredito que há uma música do Renato Russo chamada Ventos no litoral que pode ser melhor explicativa. Na música ele diz: "lembra que o plano era ficarmos bem". Precisamos nos lembrar sempre que o amor e o que foi criado da nossa relação com quem partiu era mais importante do que as projeções de um futuro com essa pessoa. Precisamos lembrar que ninguém é responsável pelas projeções que fazemos. Logo, não podemos despejar toda a nossa energia em quem não tem como recebê-la. Isso vale pra quem morreu e pra pessoas que nos deixam, mas permanecem vivas. Ninguém é responsável pelos nossos desejos ou projeções. E se somos responsáveis pelo que sentimos, precisamos cuidar de nossos sentimentos e pensamentos como cuidamos de nos alimentar ao sentirmos fome.


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