quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Uma Breve História de Desamor

Acho engraçado quando chegamos numa certa idade em que sempre começamos uma frase com “quando era mais nova”, mas quero ser piegas. Embora queira começar dessa forma, vou enlaçar minha história com uma descrição da adolescência.

Para os adolescentes tudo são oito ou oitenta, não existe meio termo. Nada é tão sofredor ou apaixonante que ter seus hormônios em ebulição e seu corpo mudado a cada dia. Nem sempre os adultos se lembram de quando eram crianças e adolescentes. Na época da faculdade, tive uma professora muito louca e muito inteligente (geralmente nas ciências humanas o pessoal é meio louco, os normais são meio estranhos e não nos marcam), ela pediu para que nós lembrássemos de um fato ocorrido na nossa infância e que nos marcara. Todo o curso foi baseado nas nossas impressões da infância.

Hoje peço que vocês se recordem da adolescência, esse momento atormentador e encantador onde deixamos de ser crianças e não somos adultos, onde a sociedade nos impõe uma série de regras e incontáveis limitações. Imaginem-se acordando de manhã e vendo que você está mudando. No começo parece ser legal, mas depois fica tudo estranho. Acho engraçada a falta de valorização da sexualidade no ensino institucional, as aulas ocorrem mais em função da fisiologia do que da subjetividade. Adolescentes são um misto explosivo de transformações fisiológicas e subjetivas, e nenhuma dessas duas pode ser negada. A discussão subjetiva é tão importante quanto o ensino dos modos de prevenção de DST’s e gestações precoces.

Na minha casa não tive um dialogo aberto com minha mãe. Esta trabalhava o tempo todo e raramente conversávamos. Minhas colegas estavam numa fase em que necessitavam escolher seus amores através de fotos de artistas e eu achava aquilo tudo muito chato. Assim, era comum ser vista na quadra de esportes da escola assistindo um jogo de futebol. Não era por conta dos meninos sem camisa, pois a maioria era feia, mas sim pelo isolamento que a observação deles me causava. Olhar a bola rolando e aquele monte de homens correndo atrás dela era engraçado. Os esbarrões, os palavrões, as faces tensas, tudo isso me reportava para um isolamento absurdo de mim mesma.

Uma dessas mães “não tenho nada melhor a fazer do que olhar a vida dos outros” começou a observar que eu passava mais tempo entre os meninos que as meninas e correu pra espalhar fofoca dizendo que eu ficava com todos os meninos da escola e que a filha dela só namoraria depois que fizesse faculdade. Pronto, lá vai minha mãe pra reunião da escola pra discutir com minhas professoras a questão. Quem interviu em meu favor foi a inspetora do colégio, ela disse para minha mãe que eu só gostava de assistir futebol e que não era pra ela se preocupar, eu estava longe de viver agarrada aos meninos. Disse que quase sempre ficava sozinha num canto olhando e que minha mãe não devia se preocupar, eu não era uma menina assanhada, como muitas outras.

Odiava a escola em que fiz o primeiro grau. Achava tudo sujo e desorganizado. Odiava ficar trancada, cercada por muros altos, com pessoas que não tinham nada em comum comigo. As meninas viviam nas suas ilusões, os meninos na sua adoração pela bola e garotas do tipo Mulher Fatal. Eu tinha doze anos, e meu desejo era algo que eu não entendia. Sinceramente eu só queria ficar só. Passava um longo tempo olhando a janela da sala onde via o vento balançar ligeiramente as folhas das árvores.

O livro de português era cheio de histórias de romance, e a professora pedia que escrevêssemos histórias parecidas. Lá foi meu outro tormento. Mais uma vez minha mãe foi chamada na escola para conversar comigo sobre o fato de estar muito envolvida emocionalmente com romance. Desta vez eu pedi que minha mãe olhasse meu livro e visse os exercícios que a professora passava.

Vocês devem ser capazes de entender minha revolta. Minha vida era música, não vou dizer que não tinha meus romances, mas minha vida era escola e casa, casa e igreja. Eu não era dada às paixões e freqüentemente mentia pras minhas amigas dizendo gostar de um carinha qualquer só pra não parecer ainda mais estranha do que me sentia.

Mesmo um pouco antes dessa época eu era chamada com freqüência à sala da direção por estar “destruindo os sonhos” de minhas colegas. Aos dez anos eu chamei as meninas de tolas por acreditarem que seus corações eram capazes de gerar sentimentos. Disse-lhes que os sentimentos provinham do cérebro, uma vez que o coração era apenas uma bomba necessária para a circulação de sangue no organismo. A professora de ciências quase enlouqueceu, ela e a diretora adjunta me disseram que eu não podia dizer isso apesar de ser verdade, que eu não podia negar às minhas colegas o direto a ilusão.

Foi nesse dia que tive certeza que dizer tudo que pensava não era a melhor forma de manter pessoas perto de mim. Aprendi que a mentira é uma boa aliada em certas ocasiões. Que as pessoas não mudam seu cerne, elas aprendem a esconder melhor o que a sociedade encara como defeito para parecerem pessoas normais.

Com quinze anos comecei a namorar em casa. Ele era três anos mais velho que eu, e um poço de insegurança. Nessa época comecei a cursar o ensino médio e era comum ele ligar pra escola pra saber da minha turma e depois me interrogar as horas em que cheguei em casa. Num dado momento nos separamos. Não vou dizer que foi doloroso. O pior pra mim foi o escândalo que ele armou em frente a minha casa ao saber que eu não havia sofrido nossa separação.

Depois tive outros tantos namoricos e aprendi a só apresentar pra minha mãe aqueles que acreditava que pudessem durar. O pior de tudo e que nenhum durava muito. Era comum eu me interessar um por cara e depois me desinteressar com a mesma velocidade que me interessei. Depois de muitas idas e vindas, comecei a me sentir mal por não me apaixonar. Acreditava até que tinha ocorrido com um carinha com quem fiquei quatro anos num namoro pingue e pongue que não revelava a ninguém. Toda vez que um relacionamento acabava eu me prostrava a chorar sozinha em algum lugar onde não pudessem me ver.

Esperava minha mãe dormir e me punha a chorar copiosamente por horas. Depois me entregava a Morfeu e quando amanhecia, de olhos inchados, percebia que a dor havia passado. Na Bíblia tem um salmo que diz “a tristeza pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Muitas vezes eu sofria por acreditar que era incapaz de amar alguém.

Quando mais jovem isso caia como uma luva feita sob medida para minha mão. Até que um dia eu conheci um rapaz da minha idade, com rostinho de menino e olhos de curioso. Um ser tão iluminado que sua luz preencheu minha vida. Durou pouco, só três meses, mas quando nos separamos senti como se uma parte de mim tivesse morrido. Eu só pensava em morrer. Para o adolescente tudo tem uma dimensão infinita. Como falei adolescente são dramáticos. Todavia aquela dor serviu pra me mostrar que eu era capaz de amar.

Percebi que eu era normal, embora minha racionalidade me impedisse, por vezes, de ceder às paixões, eu era capaz de amar. Se antes eu chorava por não me apaixonar, pela primeira vez eu chorava por um amor perdido. Aquela dor pra mim foi libertadora. Não vou dizer que, como antes, minha tristeza durou apenas uma noite. Levei anos pra me recompor daquela perda. E até hoje ainda sinto algo, embora não saiba exatamente o quê. Esse resquício de sentimento não me impede de viver novos amores, e não me preocupo em encarcerar esse sentimento em alguma palavra. Gosto de deixar o sentimento fluir em mim como uma música, como um som que penetra em todo o corpo e chega até a alma.

Um amigo me disse que a música é causada pelo movimento de elétrons e nosso corpo também é composto por elétrons, então há uma interação física entre nosso corpo e a música. Aprendi que quando estamos envolvidos com alguém devemos nos entregar a essa pessoa como quem se entrega a uma música melodiosa e bonita. Devemos desfrutar ao máximo tudo que nos for entregue. Viver ao máximo todas as belezas da vida. E se tiver que chorar depois, que chore tudo de uma vez, que sua alma seja lavada pelas lágrimas. Somos feitos de água, ela tem uma interação sinérgica conosco, e depois de chorar, tomar um longo banho com cheiros de lavanda e camomila, deitar na cama e permitir que Morfeu leve com ele a nossa dor.

A esse mesmo amigo eu disse que a dor é tão necessária quanto a alegria. Ambas nos mostram quem somos e também quem poderemos ser. A dor nos lapida, nos molda, mas somos nós quem damos a direção dessa lapidação. Um amigo geólogo disse que cada pedra diz ao lapidador a forma que deseja ter, assim somos nós. Pedras brutas, moldadas na dor e na alegria, nos sonhos, nos encantos e nos desencantos. A dor não deve ser desculpa para nos tornarmos rancorosos ou duros demais. Ela deve nos propiciar a meditação necessária para transcendermos nossa existência e nos tornarmos melhores, mais fortes, mais sublimes.

Hoje tenho dois filhos, e muitas obrigações e responsabilidades, minhas decisões afetam muitas pessoas e não apenas a mim e outra. Tenho que pesar absurdamente cada passo, pois duas vidas dependem de mim e de que eu seja forte. Hoje as coisas são mais doidas. Tenho que pensar até a exaustão antes de tomar decisões. No entanto, apesar de só ter vivido pouco menos da metade da expectativa de vida da mulher brasileira, sinto que a vida me ensinou a lidar melhor com certas dúvidas comuns aos adolescentes.

Aprendi que nada é eterno. Nós não somos eternos e a vida é uma linha tênue e delicada. Se as velhas mouras decidirem, elas cortam o fio e tudo cessa. Como já falei em outro post, não me interesso muito pelo que há após a morte, uma vez que sobre isso não tenho controle algum. Interesso-me pela vida hoje, nem amanhã, nem ontem. Disse há pouco tempo pra um amigo que, para mim, o futuro a Deus pertence, mas o momento é só meu, e o passado, esse eu não posso mudar.

Não podemos nos deixar culpar por não correspondermos ao sentimento alheio. Embora acredite que a razão controla a emoção, mesmo que de forma indireta, muitas vezes somos incapazes de corresponder a todo sentimento que nos é lançado por outros. Não podemos nos culpar pela ilusão que outras pessoas projetam em nós. Devemos ser sinceros acima de tudo conosco, com quem somos. Caso contrário, aos poucos, vamos deixando de ser quem somos, para sermos quem nunca idealizamos ser.

Corações partidos são tão inevitáveis quanto corações apaixonados. A paixão é uma força destruidora e construtora, forte e voraz, impetuosa e inebriante, que faz com que movimentemos nossas vidas. O fim dela não é igual pra todos, e não deve ser, uma vez que somos todos particulares. O modo pelo qual cada um vai curar sua dor, também é muito diferente. Procuro não pensar muito nas coisas que não me pertencem. Pode parecer egoísmo, mas foi o jeito que arranjei pra não me culpar por aquilo que não me pertence, pelo que não sou capaz de controlar.

“Às vezes se eu me distraio

Se eu não me vigio um instante

Me transporto pra perto de você

Já vi que não posso ficar tão solta

Me vem logo aquele cheiro

Que passa de você pra mim

Num fluxo perfeito

Enquanto você conversa e me beija

Ao mesmo tempo eu vejo

As suas cores no seu olho

Tão de perto

Me balanço devagar

Como quando você me embala

O ritmo rola fácil

Parece que foi ensaiado

E eu acho que gosto mesmo de você

Bem do jeito que você é

Eu vou equalizar você

Numa freqüência que só

A gente sabe

Eu te transformei nessa canção

Pra poder te guardar em mim

Adoro essa sua cara de sono

E o timbre da sua voz

Que fica me dizendo

Coisas tão malucas

E que quase me mata de rir

Quando tenta me convencer

Que eu só fiquei aqui

Porque nós dois somos iguais

Até parece que você já tinha

O meu manual de instruções

Porque você decifrava

Os meus sonhos

Porque você sabe o que gosto

E porque quando você me abraça

O mundo gira devagar

E o tempo é só meu

E ninguém registra a cena

De repente vira um filme

Todo em câmera lenta

E eu acho que gosto mesmo de você

Bem do jeito que você é...”

(Pitty - Equalize)

Um comentário:

  1. OLÁ BELÁ.

    ADORO FEITICEIRAS BOAZINHAS (RSRS)

    UM CONVITE:

    NO BLOG MEU HUMOR EM TEXTO DESTA SEMANA, A CRÔNICA É:


    TENTANDO EXPLICAR OS SENTIMENTOS:HOMEM E MULHER

    “Temos procurado através de intensas pesquisas teóricas, e muito mais práticas, compreender melhor as múltiplas possibilidades que podem ter um homem e uma mulher nos eventos de prazer da sexualidade, quanto aos seus comportamentos, atitudes, emoções e as suas sutis e históricas diferenças.

    É tudo muito complexo!”

    TENHO CERTEZA QUE SEU COMENTÁRIO SERÁ MUITO ÚTIL PARA COMPREENDERMOS MELHOR, ESTA ETERNA PROCURA DO HOMEM E DA MULHER.

    UM ABRAÇÃO CARIOCA

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