terça-feira, 15 de junho de 2010

Abre Alas

Hoje fui tomada por um desejo ardente de voltar a escrever. Quando adolescente escrevia bastante. No ginásio eu sempre rabiscava o papel. Por muito tempo tentei escrever um diário, mas achava tão banal escrever sobre o meu dia a dia. Então escrevia histórias, imaginava-me em outras vidas e em outras épocas. Tentava prever meu futuro como se fosse uma feiticeira, e havia momentos em que me considerava uma.

Quando meu segundo filho nasceu, tentei escrever sobre a incrível experiência de ter dois filhos, mas também desanimei. Parecia-me que escrever por escrever não era tão importante, afinal o que faria depois com a obra escrita? Foi quando imaginei o que sempre gostei de fazer e que no tempo de faculdade fui deveras estimulada – falar sobre minhas impressões. Impressões sobre a vida, sobre as pessoas, sobre tudo aquilo que desejava expor e que parecia transbordar em mim.

Esta manhã tive um insight, escreveria um blog com minhas impressões, uma espécie de diário virtual com o qual eu poderia imprimir meus pensamentos às pessoas. Esta idéia me ocorreu, quando da lembrança de meus tempos de faculdade. Sinto saudade do meio acadêmico e das loucas conversas do pessoal das ciências humanas. Sempre gostei de ouvir o que as pessoas pensam e com elas interagir formando novos e, às vezes loucos pensamentos.

Lembro-me com carinho de uma figura que conheci logo no primeiro semestre, seu nome é tão incomum quanto a pessoa que nomeia – Demetrio. Ele morava na Zona Oeste da cidade, enquanto eu morava no meio do caminho, então não era incomum esperar que ele terminasse seus trabalhos de pesquisa para ter sua companhia em parte do meu longo caminho até minha casa.

Certa noite esperávamos o ônibus durante longo tempo, e para passar o tempo resolvemos observar as pessoas ao redor. Estávamos na famosa Central do Brasil, um lugar peculiar onde podemos observar diferentes tipos de pessoas. Falávamos sobre nossas impressões quando Demetrio disse algo que marcou minha vida. Ele disse-me que assim como nós fazíamos naquele momento comentários sobre nossas impressões, outras pessoas poderiam fazer o mesmo conosco.

Naquele momento olhamos para nós mesmos e depois um para o outro, estávamos sentados no meio fio esperando um ônibus que parecia nunca chegar, ele vestia uma calça jeans surrada e suja e uma blusa de botões aberta até o meio do peito. Eu usava minha única calça jeans e uma blusa de escola pública, pois não tinha recursos para bancar as quatro passagens diárias necessárias para cursar a universidade. Éramos dois seres patéticos sentados no meio de um monte de pessoas alienadas, e quem disse que também não éramos.

De qualquer maneira, só me lembrava da música do Biquini Cavadão que dizia: “ Janaina acorda todo dia às quatro e meia, já na hora de ir pra cama Janaina pensa – que o dia não passou e que nada aconteceu se , mas ela diz que apesar de tudo ela tem sonhos, ela diz que um dia a gente há de ser feliz se Deus quizer...”.

As pessoas que nos cercavam pareciam ter esse tipo de vida, e nós, naquele momento também. Trabalhávamos durante o dia e estudávamos durante a noite, sonhando com um futuro melhor para nós e para as pessoas que, por acaso, passassem pelas nossas vidas. Não preciso dizer que esse pensamento construído a dois despertou em mim um forte sentimento por aquele rapaz, embora tais sentimentos fossem mais pelas suas idéias do que pela pessoa em si. Pouco tempo depois ele se formou e nunca mais tive notícias dele.

Todavia, guardo comigo a lembrança daquela noite e a grande lição que aprendi:
Não podemos olhar sem sermos olhados.
Não podemos criticar sem sermos criticados.
Não podemos viver sozinhos como se fossemos uma ilha.
Nossos pensamentos devem ser compartilhados e ampliados pela dialética.

Aquela noite não foi à única em que fiquei durante muito tempo esperando um ônibus na Central do Brasil, mas nas outras eu estava sozinha, apenas acompanhada por meus pensamentos e minhas dúvidas.

“Vim gastando meus sapatos,
Me livrando de alguns pesos
Perdoando meus enganos,
Desfazendo minhas malas
Talvez assim chegar mais perto....
Vim, achei que eu me acompanhava
E ficava confiante, outra hora era o nada
A vida solta num barbante...
E eu quem dava o nó.
Eu pensava em nós dois,
Mas já cansava de esperar
E tão só eu me sentia e seguia a procurar
Esse algo, alguma coisa, alguém
Que fosse me acompanhar...
Se há alguém no ar
Responda se eu chamar
Alguém gritou meu nome
Eu eu quis escutar.

Vem que eu sei que está tão perto
E porque não me responde
Se também tuas esperas te levaram para bem longe
É longe esse lugar...
Vem nunca é tarde ou distante
Pra eu te contar os meus segredos
A vida solta num instante
Tenho coragem, tenho medo sim
Que se danem os nós...
Se há alguém no ar
Responda se eu chamar
Alguém gritou meu nome


Eu eu quis escutar...”

(Ana Carolina)

2 comentários:

  1. Ainda bem que alguns dos nossos sonhos se tornam realidade, né?!

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  2. Sonhos...o que serão senão manifestações de nossos desejos...será mesmo? Muito bom texto, Branca.

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